quinta-feira, 4 de março de 2010

A Coisa no Sotão


O Sarcófago

Os dias de Rupert Merriweather estão contados. As palavras são proferidas com um enorme esforço. A sua respiração é ofegante e pesada. Deitado numa cama do St. Mary's Hospital em Arkham, Rupert é atormentado pelos fantasmas do passado. Já só lhe restam alguns dias, talvez algumas horas. A sua esposa, chorosa, e o filho, sérior, acompanham os seus últimos momentos. No quarto estão também os melhores amigos de Rupert: Edward Marsh, com quem Rupert servira na Grande Guerra, na unidade médica; o padre James McBride, amigo e confidente; Susan Whitmore, aluna e mais tarde estagiária na equipa de Rupert no hospital e Adriana Lewis, que conhecera aquele senhor simpático que tantas horas passava no silêncio da biblioteca, lendo e trocando ideias.

Com um gesto trémulo, Rupert pede à esposa e filho que saiam. Quando a porta se fecha, o moribundo aponta para uma caixa em cima da mesinha de cabeceira. Susan abre a caixa enquanto Rupert explica o motivo porque pediu aos seus amigos que o visitassem no hospital: há ano atrás, quando Rupert era ainda um jovem estudante de medicina, ele e um grupo de amigos conduziram uma série de experiências inofensivas no reino do oculto. Auxiliados por um homem mais velho, Marion Allen, o grupo comprou uma casa abandonada na pequena aldeia de Ross's Corner a Oeste de Arkham onde realizaram uma série de sessões mediúnicas e pesquisa psíquica. O isolamento da casa dar-lhes-ia toda a privacidade necessária. Inesperadamente, a última experiência trouxe algo para este mundo, uma força maléfica que obrigou o grupo a fugir. Confiantes que a magia que tinha invocado a criatura era suficiente para a manter confinada à casa, o grupo abandonou o local para não mais voltar. Um dos membros morrera durante a experiência e outro ficara louco mas os restantes conseguiram convencer as autoridades que o que acontecera fora o resultado tráfico de um acidente de carruagem. O assunto foi encerrado e a criatura esquecida na velha casa.

Mas a magia só resiste enquanto os membros do grupo forem vivos e com a sua morte, Rupert teme que a criatura fique livre para espalhar o terror na região. Desesperado, procurou quem lhe era mais chegado: os Investigadores. No interior da caixa, diz ele, os investigadores terão na sua posse as ferramentas para banir a criatura deste mundo. Com um último fôlego, Rupert contrai-se de dor, a sua cara deformada num esgar atroz. Tossindo sofregamente, Rupert cospe sangue e massa pulmonar. Os médicos entram rapidamente no quarto e os investigadores são obrigados a sair, com a caixa na sua posse.

No interior da caixa, os investigadores descobrem o registo de propriedade de uma quinta em Ross's Corner e uma chave antiga e ferrugenta. Um pequeno livrinho negro contém uma série de entradas, revelando as experiências conduzidas pelo grupo. Mas o objecto mais enigmático é um pequeno sarcófago em miniatura. No exterior, em redor da tampa, foram gravados vários hieróglifos mas os investigadores não os conseguem decifrar. Os hieróglifos interiores e o estilo do sarcófago indicam tratar-se de um objecto oriundo do Antigo Egipto. James propõe-se ler o livro negro enquanto os restantes contactam um linguista na Universidade Miskatonic para traduzir os hieróglifos.

No silêncio dos seus aposentos, James lê sobre as experiências de Merriweather e amigos, sobre o desastre que se abateu sobre eles e o horror que levou à morte de um e à loucura de outro. Dos quatro amigos iniciais, apenas dois sobreviveram incólumes mas Marion Allen, o suposto líder do grupo, morrera mais tarde em Nova Orleãos no que aparentava ser um homicídio de contornos ritualísticos. À data da sua morte, Allen queixara-se à polícia que andava a ser seguido por desconhecidos e temia pela sua vida. O livro descreve ainda que os rituais necessários para invocar / banir a criatura foram recolhidos do livro De Vermiis Mysteriis. O linguista da universidade entrega aos investigadores a tradução dos hieróglifos desconhecidos: "Aquele que busca a verdade, Servo [Filho] de Yugr [Yoag] Setheth, Libertador do povo [escravos] da água, Portador dos espíritos de Nar-Loth-hotep, filho de Thoth, Aquele que busca a sabedora."

Antes de partirem para Ross's Corners, os investigadores decidem tentar ler o De Vermiis Mysteriis com a esperança de poderem saber mais sobre os rituais. Infelizmente, o bilbiotecário-chefe da universidade, o Prof. Henry Armitage, instaurou uma nova política segundo a qual o acesso a livros raros e valiosos só pode ser feito mediante autorização prévia. Apesar dos investigadores contarem a sua história, Armitage mantém-se resoluto e nega qualquer acesso.

A Quinta Abandonada

Finalmente, os investigadores partem para Ross's Corner. Embora ainda algo incrédulos, decidem concluir a investigação em nome da amizade por Merriweather. Localizada a poucos quilómetros de Arkham, Ross's Corner é apenas um agloremado de edifícios e casas de madeira desgastadas, outrora própera mas actualmente negligenciada e abandonada. Ao fundo da rua ergue-se a igreja em não melhores condições. Os investigadores aproveitam para descansar, visitam a loja e atestam o seu veículo. Apesar da atitude de suspeição por parte dos locais, os investigadores depressa descobrem que a quinta onde pretendem ir tem a reputação de ser assombrada e é evitada pelos locais. Ainda consideram falar com o padre local, mas decidem partir imediatamente para a quinta antes do anoitecer.

A antiga quinta é visível da estrada, sentada sobre um monte baixo. É um típico edifício do séc. XVIII, com um telhado em bico e janelas seladas por batentes de madeira. Tem apenas um andar com um sotão sem janelas em cima. Os investigadores não podem deixar de sentir um certo temor ao aproximarem-se deste edifício solitário e isolado, de madeira enegrecida pelo tempo, como uma besta adormecida. A porta da frente abre-se com um certo esforço, libertando o pó de anos. O cheiro a madeira antiga e a bolor é intenso. Felizmente, alguma claridade penetra através dos batentes revelando um espaço vazio, com um chão abaulado e manchado, e coberto de detritos e pó. As únicas peças de mobília são um velho sofá bolorento e duas cadeiras de madeira. Em todas as ombreiras e algumas partes da casa foram gravados símbolos arcanos cujo significado os investigadores não reconhecem. A madeira chia e estala com o peso dos investigadores mas, por breves segundos, têm a sensação de ouvir algo mover-se por debaixo da casa. Certamente a casa, aliada à história de Merriweather, excita a imaginação dos investigadores.

E, no entanto, junto à lareira os investigadores encontram, junto de um cobertor esburacado, várias latas de comida enlatada, fósforos e velas. As cinzas da lareira ainda estão quentes e o pó do chão marcado com pegadas o que sugere a presença de alguém na casa. Talvez os sons que ouviram há pouco não sejam fruto da sua imaginação. Silenciosamente, acercam-se da divisão das traseiras, que parece ser uma antiga cozinha. Junto à porta das traseiras, há um alçapão no chão e é por aí que os investigadores decidem entrar para descobrir quem se esconde na casa. Usando a vela que encontraram na sala, Edward lidera o grupo às entranhas da casa. A cave é escura e silenciosa, ouvindo-se apenas o ranger ominoso da madeira. Pé ante pé, Edward desce até ao fundo quando uma criatura desgrenhada salta da escuridão e o empurra. Surpresos, os investigadores mal têm tempo de reagir. Um vagabundo grita de medo e corre escadas acima, abrindo caminho aos cotovelões. Apenas a reacção rápida dos investigadores lhes permite segurar o homem e acalmá-lo.

O vagabundo quer apenar partir com os seus pertences. Diz ter encontrado este local ontem à tarde e ter decidido aqui pernoitar. Foi então que, durante a noite, algo se moveu no sotão acompanhado de um intenso cheiro nauseabundo. Em pânico o vagabundo fugiu e esperou a luz do dia para ganhar coragem e regressar para vir buscar os seus parcos pertences. Os investigadores deixam o homem partir. Sobre a lareira está uma antiga caixa de metal no interior da qual foram enrolados papéis amarelecidos, um pequeno recipiente com um pó acastanhado e uma pequena caixa de madeira contendo uma substância prateada, semelhante a pó de talco. Os papéis descrevem o ritual necessário para banir a criatura, com a ajuda de um pentagrama e um cântico que deve terminar à meia noite. Os símbolos arcanos gravados na madeira impedirão a entrada da criatura em qualquer parte da casa, excepto no sotão. Os investigadores ainda discutem se devem ou não explorar o sotão mas decidem pela negativa.

O Ritual

A noite cai e os investigadores preparam o pentagrama no chão de acordo com as instruções. Nesse momento, um urro inumano ecoa pela casa, seguindo de fortes pancadas no tecto. Felizmente, os símbolos gravados na madeira protegem contra a entrada do ser inominável. Após um longo silvo, o urro parece sair da casa e perde-se à distância. Sem perder tempo, os investigadores iniciam o cântico. James fica encarregue do ritual enquanto os restantes vigiam as entradas.

Os minutos passam lentamente, no que parece ser uma eternidade. James mantém o tom, concentrado. Subitamente, ecoam fortes pancadas do sotão. A criatura voltou. Um momento de silêncio e algo parece cheirar nas frestas da madeira em cima. O som sugere algo tão gigantesco que os investigadores começam a temer o pior. A madeira do tecto começa a vergar, soltando pó. Um som que nenhuma boca humana poderia emitir profere palavras numa língua desconhecida, gritando e vociferando. Os investigadores sentem as suas forças abandoná-los, mas James mantém-se resoluto. É então que um líquido viscoso cai por entre as frestas da madeira do tecto, pingando sobre os investigadores. Susan sente uma forte dor no braço. O líquido queima-lhe a roupa e a pele. Os investigadores tentam proteger-se. Os urros e pancadas em cima são ensurdecedores. A criatura procura uma entrada mas as forças mágicas dos símbolos protegem a sala de qualquer intrusão. Os sons entram em crescendo até que cessam tão rapidamente como começaram.

Uma voz feminina grita por ajuda, vinda do exterior. Correndo para as janelas, Edward, Susan e Adriana vêm, na escuridão da noite, uma mulher de vestido rasgado, arrastando até à casa. Será uma vítima da criatura. O espanto dá lugar ao horror quando os investigadores se apercebem do enorme buraco no peito. Nenhuma criatura poderia viver com tamanho ferimento. Uma sensação de pânico toma conta de Adriana que abre a porta e foge para o carro. Edward segue atrás dela. Fora da casa, não são protegidos pelos símbolos mágicos. O corpo reanimado da mulher persegue os dois enquanto Susan se mantém à entrada da casa. James continua o seu ritual. A confusão é geral. A criatura do sotão, pressentindo os investigadores fora da casa, sai do sotão e persegue-os. É então que, Edward e Adriana, conseguem ver o inominável, o horror que há tantos anos atrás matou uma pessoa e levou outra à loucura, o ser que provavelmente reanimou este corpo e procura agora tirar a vida dos investigadores.

Uma massa negra de tentáculos e aberturas dentadas, move-se a uma velocidade assustadora, contorcendo-se, numa mantendo uma forma estável. Edward sabe que estão perdidos se ficarem cá fora. Agarrando Adriana por um braço, arrasta-a de novo para a casa antes que seja tarde demais. O cadáver da mulher tenta agarrar Edward mas o ex-militar defende-se, deitando-o por terra. Ao aproximarem-se de novo da casa, sentindo o cheiro fétido do ser nas suas costas, vêem um segundo cadáver surgir por detrás da casa, correndo pela frente para atacar Susan. Apanhada desprevenida, a rapariga tenta defender-se mas a visão de um corpo, com o pescoço num ângulo impossível e os ossos da coluna perfurando a pele do pescoço, é demais. Edward acerca-se deste cadáver e sem pensar duas vezes empurra-o com Susan para dentro da casa, fechando a porta atrás de Adriana. James, que até ao momento, estava concentrado, perde a calma perante a visão de um cadáver atacando os amigos. Quebra o ritmo do ritual e cai sobre o sofá, agarrado ao crucifico, rezando. Sem hesitar, Susan salta para o pentagrama continuando o cântico enquanto Marsh imobiliza o cadáver. O segundo cadáver bate com os punhos na porta mas não consegue entrar.

Ao chegar a meia noite, o ritual está practicamente concluído. Susan entoa o cântico e os restantes tentam acalmar-se e preparar-se para o final. Os urros da criatura ecoam mas parecem enfraquecidos. Algo começa a condensar-se no ar, sobre o pentagrama. Preparando-se para o pior, os investigadores sentem um bafo de ar fétido e a visão do ser, contorcendo-se, expandindo os seus tentáculos mas como que impedido por uma força invisível. Por fim, com as últimas palavras do ritual, a criatura solta um último grito, desvanece-se e o silêncio regressa à casa. Os cadáveres, antes animados, ficam intertes. Os investigadores, outrora incrédulos, sabem agora que existem horrores que a Humanidade desconhece. Em silêncio, deixam a quinta para trás e voltam para Arkham, com os seus telhados coloniais e as suas ruas antigas.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Os Mortos Podem Voltar - Parte 1


Localização: Europa Continental (algures na Hungria)

Investigadores: Clive Ashford, Robert Battle, Rebecca Holmes, Charlotte Pitt

Data: 27 de Fevereiro de 1935

Ladrões de Sepulturas
Numa manhã fria de Fevereiro, Robert, Rebecca e Clive recebem um telefonema do Conde Dvorak que solicita amavelmente a sua presença na sua residência em Kensington. Os três companheiros aceitam o convite e encontram-se com o conde na sua mansão virada directamente para Hyde Park. A saúde frágil obriga-o a usar uma cadeira de rodas e, nesta manhã, ele parece particularmente afectado dos pulmões, tossindo constantemente e fazendo um grande esforço para respirar e falar. Sendo um homem prático, o conde é directo e não perde tempo. Recentemente, um amigo seu que vive no Continente, escreveu-lhe sobre um misterioso surto de roubo de cadáveres numa região remota dos Cárpatos. O responsável ou responsáveis ainda se encontram a monte e, dada a ausência de grandes cidades ou vilas que pudessem justificar o roubo dos cadáveres para um qualquer departamento de anatomia de uma universidade, a motivação para este crime assumia traços ainda mais tenebrosos.

Os investigadores aceitam o caso e fazem todos os preparativos para uma partida imediata. Rebecca passa os últimos dias em repouso devido aos ferimentos sofridos durante a sua última investigação (ver Dimensão Y). Entretando, escrevera a uma grande amiga sua, Charlotte, para que lhe fizesse companhia. As duas são amigas de infância e sendo Charlotte uma enfermeira, podia cuidar da amiga durante o período de convalescença. Como é natural, Rebecca confidenciou a Charlotte tudo o que tinha acontecido nas últimas semanas. Talvez impelida por um forte sentido de lealdade e amizade ou talvez uma grande curiosidade, Charlotte aceitou acompanhar a amiga ao Continente neste estranho caso.

A Figura no Bosque
Dias mais tarde, os quatro investigadores viajam de carroça pela região montanhosa dos Cárpatos. A paisagem é tão bela quanto inquietante, com as suas florestas negras, envoltas em lenda, com a muralha imponente das montanhas ao fundo. O carroceiro é um homem de traços germânicos, de cabelo grisalho e farto bigode. Chicoteia os cavalos, mantendo um passo acelerado como se temendo algo que se esconde nos bosques. A viagem não é das mais confortáveis. O caminho é de terra batida, serpenteando por montes e vales, longe da civilização. Aqui, os investigadores têm a sensação de viajar no tempo para uma época remota onde a superstição e as lendas dominam as mentes locais.

Robert está pensativo fumando o seu cachimbo quando o seu olhar é atraído para algo no bosque a alguma distância da estrada. Uma figura branca, uma pessoa decerto, mas cujo andar é inquietante, contorcendo-se ou coxeando. A esta distância é impossível dizer se é homem ou mulher e o carroceiro recusa-se a parar, temendo o cair da noite. Depois do pôr-do-sol, diz ele, os espíritos e outras coisas piores deambulam pelas florestas. Tarde demais. A carroça afasta-se e a figura desapareceu entre as árvores densas.

A Chegada à Aldeia
Num vale isolado dos Cárpatos, o destino dos investigadores é pouco mais do que um aglomerado de casas rústicas, quase amontoadas como que por protecção contra os perigos da floresta circundante. As casas exibem crucifixos nas janelas e os aldeãos benzem-se quando a carroça pára na praça central. Um grupo de pessoas, liderado por um homem baixo e gordo, aproxima-se. O homem é Herr Weber, o burgomestre da aldeia. Vem acompanhado pelo Inspector Schröth, um homem alto e esguio, cuja farda impecavelmente engomada, as botas de cano alto polidas e o monóculo, lhe dão um ar autoritário e pelo Dr. Gretler, um homem de meia idade e cabelos cinzentos, com um corpo forte e faces redondas.

Nervoso, Herr Weber faz as apresentações e sem mais demoras conduz os investigadores à casa funerária cujo proprietário é Herr Krehan, um homem alto e magro cujas as vestes negras acentuam a sua palidez e ar funebre. Pelo caminho são observados pelos aldeãos que assomam às janelas. O seu ar assustado sugere um temor supersticioso acentuado. Alguém grita de uma das casas, um homem forte e calvo com um comprido bigode negro, queixo quadrado e braços musculados. O seu avental de couro indica que é o ferreiro, facto confirmado por Herr Weber. O homem clama a morte dos responsáveis pelos roubos. Herr Weber esclarece que o irmão do ferreiro foi um dos homens que desapareceu.

A Reunião
Na casa funerária, um pequeno grupo de aldeãos responde ansiosamente às perguntas dos investigadores. O ponto da situação é o seguinte: nas últimas semanas, os cadáveres das aldeias da região foram roubados por pessoa ou pessoas desconhecidas. O Inspector Schröth queixa-se que mesmo colocando homens de vigia, os cadáveres são roubados na mesma. Os seus homens recusam-se a ficar no cemitério depois do anoitecer. Durante uns tempos, os aldeãos começaram a enterrar os seus mortos num terreno secreto mas continuaram a ser roubados. Nem mesmo cadeados ou caixões de metal serviram de protecção. Uma das famílias desafiou os costumes locais e em vez de um enterro cristão, optou por cremar o patriarca recentemente falecido numa pira fora da aldeia. Foram atacados com pedras lançadas dos bosques. Aterrorizados fugiram e quando voltaram o cadáver tinha sido levado. Clive pede uma lista de mortos recentemente roubados mas não existe qualquer padrão de idade, profissão ou sexo.

Alguém menciona que Norbert e o irmão, Karsten, foram os únicos com coragem para pernoitar no cemitério para tentar apanhar os responsáveis. Mas Norbert adormeceu e quando acordou Karsten tinha desaparecido, o que levanta algumas suspeitas entre os locais.

Charlotte mantém-se atenta ao ambiente. Numa aldeia tão remota e presa à religião como esta, os ritos funerários tem sido mantidos inalterados ao longo dos séculos. Os cadáveres não são embalsamados como sugere a ausência de equipamento para tal. Um forte cheiro a lixívia paira no ar, indicando a limpeza frequentente dos líquidos e outros fluídos de decomposição. Junto à parede, um pouco afastado, o Dr. Gretler acompanha atentamente a reunião. Charlotte repara que o doutor segura no seu braço direito como se estivesse com dores, talvez uma luxação. De facto, o doutor confirma a Charlotte e Rebecca que esteve envolvido numa altercação com o ferreiro da aldeia, o homem vociferante que os investigadores viram na vinda para cá. O impetuoso ferreiro, Norbert, acusou o doutor de roubar os cadáveres talvez por associação com a sua profissão e agrediu Gretler. Charlotte apercebeu-se que o médico se sente profunda e genuinamente injuriado.

A reunião é dada como terminada e os investigadores retiram-se. As duas jovens ficam instaladas na casa grande do burgomestre. Robert fica instalado na casa do Dr. Gretler e Clive recebe alojamento na casa funerária. Enquanto Rebecca e Charlotte aproveitam para se refrescar e descansar, Robert e Clive falam com Norbert. O ferreiro recebe-os com suspeição, duvidoso das intenções dos estranhos. Ele admite a contra-gosto a história do desaparecimento do irmão mas atribui o seu sono pesado a bruxaria. Tanto Clive como Robert sabem que Norbert se convenceu dessa "verdade" apenas para aliviar a sua culpa por ter adormecido.

O Cemitério
No dia seguinte, os investigadores visitam o cemitério local a uma légua da aldeia, sobranceiro aos montes e junto da orla da floresta negra. Uma level neblina cobre o chão como uma mortalha e estende os seus dedos brancos entre as lápides erodidas, muitas delas ilegíveis. Uma vedação de metal enferrujada circunda o terreno, aqui e ali já caída. Um portão, pendurado precariamente nas dobradiças, oscila ao vento soltando um lânguido chiar como o murmúrio de uma alma penada. Os investigadores acercam-se do local, procurando pistas que possam revelar algo sobre a identidade dos responsáveis pelos roubos. Horas antes Rebecca sugerira um plano arriscado. E se alguém se escondesse num caixão e encenassem um funeral aguardando que os criminosos roubassem o "cadáver?" No entanto este plano não fora aceite por Robert ou Clive que o rejeitaram sumariamente.

Muitas das campas estão abertas e algumas outras foram já cobertas depois de terem sido roubadas. Robert usa os seus sentidos aguçados pelos anos passados na Scotland Yard. Descobre um oculto conjunto de pegadas: botas grossas sugerindo uma pessoa alta e forte. Pela profundidade das pegadas, a pessoa terá partido do cemitério mais pesada do que quando chegou e, ao contrário dos restantes rastos que passam pelo portão, estas pegadas vêm da e voltam para a floresta. Na orla, as pegadas perdem-se por entre a vegetação rasteira mas Robert encontra em algumas das impressões pedaços de uma planta que não parece fazer parte da vegetação circundante. Charlotte identifica a planta como sendo uma taboa, que cresce principalmente em pântanos. As pistas sugerem então que os ladrões de cadáveres passaram recentemente por um pântano ou talvez usem o local para se esconderem. Regressando à aldeia, os investigadores consultam o Inspector Schröth que lhes faculta um mapa da região. De facto, a algumas léguas a norte do cemitério existe um pântano profundo.

O Ermita Louco
O rasto de pegadas depressa foi descoberto por Robert na orla do pântano onde a terra é mais húmida. O rasto segue ao longo das águas fétidas e de um verde doentio. As margens estão cobertas por taboas que se agitam ao vento e emitem um restolhar suave. As águas estendem-se por muitas léguas. Aqui e ali sobressaem pequenas ilhas de terra. As árvores grossas e negras, crescem torcidas como que se esforçando por chegar ao ar puro. Eventualmente, os investigadores vêem uma cabana de madeira primitiva elevada sobre suportes de madeira. Junto à cabana está uma canoa atada a um dos suportes. Estes suportes estão pintados como pernas de galinha. Charlotte recorda as lendas eslávicas de Baba Yaga, a lendária bruxa, que devorava crianças e vivia numa cabana com pernas de galinha. Robert experimenta a água com um bordão. Felizmente não é profunda. Alguém poderia chegar à cabana com água pela cintura. No entanto, Charlotte chama a atenção para o facto da água poder ser um potencial foco de doenças e que o ar do pântano é tóxico e uma exposição prolongada pode levar à demência.

Clive decide atravessar o pântano sozinho para minimizar os riscos. Chega à cabana e regressa com a canoa para transportar os seus companheiros. Remando sileciosamente, os quatro aproximam-se da cabana. Param debaixo dela e vêem um alçapão que permite entrar no interior. Robert é o primeiro. Apoia-se no rebordo da abertura e sobe. Um grito selvagem ecoa e Robert sente algo pontiagudo espetar-se no seu ombro. Uma figura desgrenhada, de olhos dementes e vestida com peles de animais e roupas andrajosas agita uma lança contra o detective. Robert saca da sua pistola mas antes de poder disparar a figura salta pela janela e desaparece no pântano. Felizmente o golpe desferido não feriu Robert.

O interior da cabana tem apenas uma cama de madeira com cobertores sujos e mal-cheirosos, uma arca com pertences antigos e roupas, os utensílios básicos de sobrevivência e pilhas de ossadas de animais. Infelizmente, os investigadores precisam de falar com o ermita que sabe com certeza alguma coisa sobre o roubo dos cadáveres. O plano, traçado por Rebecca, consiste em esperar escondidos nos arbustos, nas margens da água, longe da vista. Certamente ele há-de voltar. No entanto, Robert e Clive rejeitam mais uma vez esta proposta e preferem que um deles, Clive, espere na cabana enquanto o resto se esconde na margem. O plano é um erro pois o ermita, ao voltar, apercebe-se de alguém dentro da cabana e foge. Robert, Rebecca e Charlotte depressa o alcançam mas o homem defende-se violentamente. Robert saca da sua pistola e com um tiro certeiro, acerta na mão do ermita. Dois dedos da mão desfazem-se com o impacto da bala, mas o ermita parece não se deter. Agarrando-se a uma das raparigas, tenta mordê-la, urrando de raiva. Rebecca aponta a sua pistola e, com um som doentio, abre um buraco no peito do ermita. Apesar do sangue que jorra e partes de uma costela visíveis, o ermita mantém-se agarrado sem perder as suas forças. Enquanto Clive chega ao local, já os três companheiros mantêm o ermita preso, não sem antes o terem ferido com bastante gravidade, embora o homem pareça imbuido de uma força sobrehumana e um total desdém pela dor.

Enquanto Charlotte atesta que os ferimentos teriam detido um homem comum e que a sua força sobre-humana e resistência aos ferimentos parece derivar do miasma do pântano que poderá causar mutações a longo prazo. O ermita balbucia palavras incoerentes. Até que o cansaço parece tomar conta de si. Por momentos, o homem parece cair em si e pede que o libertem. A troco disto, os investigadores insistem em saber toda a história. Ficam a saber que o ermita se chama Bodgan e admite que roubou os mortos do cemitério mas apenas a pedido do barão Americano, que é um homem de ciência. Bodgan não sabe o uso que o barão dá aos cadáveres. Os investigadores deliberam o que fazer. De facto, o barão merece ser investigado mas Bodgan deve ser primeiro entregue às autoridades competentes. Posto isto, decidem regressar à aldeia com Bodgan amarrado e, estando já o dia no fim, prosseguir as investigações no dia seguinte.

A seguir: Os Mortos Podem Voltar - Parte 2

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Armitage Files (Os Ficheiros de Armitage)


Ora cá está! A Pelgrane Press acabou de lançar um novo livro para Trail of Cthulhu com o título Armitage Files (Os Ficheiros de Armitage). Para quem não sabe, Armitage, ou Henry Armitage, é o bibliotecário-chefe da famosa Biblioteca Miskatonic na não menos famosa Arkham, e protagonista da história O Horror de Dunwich (The Dunwich Horror). Desta feita, os escritos do professor Armitage foram parar às mãos dos pobres investigadores que se propõem decifrar as pistas contidas nesses documentos e ir ao encontro de horrores inomináveis.

O livro, segundo a Pelgrane Press, propõe um método inovador de improvisar sessões de Trail of Cthulhu, com base nos handouts existentes no livro (os ditos ficheiros de Armitage). Com belíssimas ilustrações de Jérôme Huguenin (que assina todas as ilustrações desta linha) e handouts criados Sarah Wroot, o objectivo será combinar esses elementos com NPCs pré-criados pelo GM para uma versão personalizada da campanha. Ainda não li, mas o PDF já me chegou às mãos, pelo que irei expondo aqui as minhas impressões.

Resolução de Ano Novo


Tenho repetidamente ponderado nisto. Desde que a minha campanha de Qin acabou há coisa de 1 ano e alguns meses, nunca mais consegui arrancar com uma campanha tão coesa e contínua como essa. E perguntam-me vocês: se este blogue é sobre Trail of Cthulhu, porque raio é que está a falar de Qin? Porque Qin foi, até à data, a minha campanha mais longa e onde consegui manter um nível de qualidade e envolvência consistente, com grande ajuda dos jogadores que injectavam ideias para eu expandir.

Iniciei ToC, e adorei a experiência, mas um misto de inconsistência de horário e de falta de vontade, fez-me perder o fio à meada. Ultimamente, com a reorganização possível do grupo (a saída de alguns jogadores e a entrada de novos) pensei em voltar à carga. Mas porquê CoC e não ToC, sendo o primeiro o meu roleplay favorito de todos os tempos? Bom, apenas por uma questão de mudança e porque ToC me oferece uma maneira mais organizada de criar as aventuras. Não é superior a CoC mas também CoC não é superior a ToC e, entre os dois, penso que será uma melhor experiência para o grupo. É certo que em CoC existe sempre a hipótese de falhar uma pista por causa de um lançamento falhado, mas se optar pela técnica de entregar automaticamente as pistas ESSENCIAIS à história sem lançar dados, porque não tentar ToC, que apresenta isso como mecânica.

Um outro factor tem a ver com o autor: Kenneth Hite, possivelmente um dos meus autores favoritos (entre os seus livros contam-se Ragnarok, um excelente setting pulp para Savage Worlds), que é um mestre em misturar História alternativa com elementos fantásticos. E a sua escrita é fabulosa. Só pela prosa de Trail of Cthulhu e pela secção de Great Old Ones vale a pena ler o livro.
Em última análise, não consigo apontar nenhum factor objectivo que me faça pender para Trail of Cthulhu. Fiz ultimamente algumas sessões de Call of Cthulhu (que adorei) mas alguma coisa não clicou, como se costuma dizer. A minha resolução de Ano Novo é simples: terminar uma pequena de campanha... qualquer coisa, e neste momento, tudo indica que poderemos ir para Trail of Cthulhu.