O Sarcófago
Os dias de Rupert Merriweather estão contados. As palavras são proferidas com um enorme esforço. A sua respiração é ofegante e pesada. Deitado numa cama do St. Mary's Hospital em Arkham, Rupert é atormentado pelos fantasmas do passado. Já só lhe restam alguns dias, talvez algumas horas. A sua esposa, chorosa, e o filho, sérior, acompanham os seus últimos momentos. No quarto estão também os melhores amigos de Rupert: Edward Marsh, com quem Rupert servira na Grande Guerra, na unidade médica; o padre James McBride, amigo e confidente; Susan Whitmore, aluna e mais tarde estagiária na equipa de Rupert no hospital e Adriana Lewis, que conhecera aquele senhor simpático que tantas horas passava no silêncio da biblioteca, lendo e trocando ideias.
Com um gesto trémulo, Rupert pede à esposa e filho que saiam. Quando a porta se fecha, o moribundo aponta para uma caixa em cima da mesinha de cabeceira. Susan abre a caixa enquanto Rupert explica o motivo porque pediu aos seus amigos que o visitassem no hospital: há ano atrás, quando Rupert era ainda um jovem estudante de medicina, ele e um grupo de amigos conduziram uma série de experiências inofensivas no reino do oculto. Auxiliados por um homem mais velho, Marion Allen, o grupo comprou uma casa abandonada na pequena aldeia de Ross's Corner a Oeste de Arkham onde realizaram uma série de sessões mediúnicas e pesquisa psíquica. O isolamento da casa dar-lhes-ia toda a privacidade necessária. Inesperadamente, a última experiência trouxe algo para este mundo, uma força maléfica que obrigou o grupo a fugir. Confiantes que a magia que tinha invocado a criatura era suficiente para a manter confinada à casa, o grupo abandonou o local para não mais voltar. Um dos membros morrera durante a experiência e outro ficara louco mas os restantes conseguiram convencer as autoridades que o que acontecera fora o resultado tráfico de um acidente de carruagem. O assunto foi encerrado e a criatura esquecida na velha casa.
Mas a magia só resiste enquanto os membros do grupo forem vivos e com a sua morte, Rupert teme que a criatura fique livre para espalhar o terror na região. Desesperado, procurou quem lhe era mais chegado: os Investigadores. No interior da caixa, diz ele, os investigadores terão na sua posse as ferramentas para banir a criatura deste mundo. Com um último fôlego, Rupert contrai-se de dor, a sua cara deformada num esgar atroz. Tossindo sofregamente, Rupert cospe sangue e massa pulmonar. Os médicos entram rapidamente no quarto e os investigadores são obrigados a sair, com a caixa na sua posse.
No interior da caixa, os investigadores descobrem o registo de propriedade de uma quinta em Ross's Corner e uma chave antiga e ferrugenta. Um pequeno livrinho negro contém uma série de entradas, revelando as experiências conduzidas pelo grupo. Mas o objecto mais enigmático é um pequeno sarcófago em miniatura. No exterior, em redor da tampa, foram gravados vários hieróglifos mas os investigadores não os conseguem decifrar. Os hieróglifos interiores e o estilo do sarcófago indicam tratar-se de um objecto oriundo do Antigo Egipto. James propõe-se ler o livro negro enquanto os restantes contactam um linguista na Universidade Miskatonic para traduzir os hieróglifos.
No silêncio dos seus aposentos, James lê sobre as experiências de Merriweather e amigos, sobre o desastre que se abateu sobre eles e o horror que levou à morte de um e à loucura de outro. Dos quatro amigos iniciais, apenas dois sobreviveram incólumes mas Marion Allen, o suposto líder do grupo, morrera mais tarde em Nova Orleãos no que aparentava ser um homicídio de contornos ritualísticos. À data da sua morte, Allen queixara-se à polícia que andava a ser seguido por desconhecidos e temia pela sua vida. O livro descreve ainda que os rituais necessários para invocar / banir a criatura foram recolhidos do livro De Vermiis Mysteriis. O linguista da universidade entrega aos investigadores a tradução dos hieróglifos desconhecidos: "Aquele que busca a verdade, Servo [Filho] de Yugr [Yoag] Setheth, Libertador do povo [escravos] da água, Portador dos espíritos de Nar-Loth-hotep, filho de Thoth, Aquele que busca a sabedora."
Antes de partirem para Ross's Corners, os investigadores decidem tentar ler o De Vermiis Mysteriis com a esperança de poderem saber mais sobre os rituais. Infelizmente, o bilbiotecário-chefe da universidade, o Prof. Henry Armitage, instaurou uma nova política segundo a qual o acesso a livros raros e valiosos só pode ser feito mediante autorização prévia. Apesar dos investigadores contarem a sua história, Armitage mantém-se resoluto e nega qualquer acesso.
A Quinta Abandonada
Finalmente, os investigadores partem para Ross's Corner. Embora ainda algo incrédulos, decidem concluir a investigação em nome da amizade por Merriweather. Localizada a poucos quilómetros de Arkham, Ross's Corner é apenas um agloremado de edifícios e casas de madeira desgastadas, outrora própera mas actualmente negligenciada e abandonada. Ao fundo da rua ergue-se a igreja em não melhores condições. Os investigadores aproveitam para descansar, visitam a loja e atestam o seu veículo. Apesar da atitude de suspeição por parte dos locais, os investigadores depressa descobrem que a quinta onde pretendem ir tem a reputação de ser assombrada e é evitada pelos locais. Ainda consideram falar com o padre local, mas decidem partir imediatamente para a quinta antes do anoitecer.
A antiga quinta é visível da estrada, sentada sobre um monte baixo. É um típico edifício do séc. XVIII, com um telhado em bico e janelas seladas por batentes de madeira. Tem apenas um andar com um sotão sem janelas em cima. Os investigadores não podem deixar de sentir um certo temor ao aproximarem-se deste edifício solitário e isolado, de madeira enegrecida pelo tempo, como uma besta adormecida. A porta da frente abre-se com um certo esforço, libertando o pó de anos. O cheiro a madeira antiga e a bolor é intenso. Felizmente, alguma claridade penetra através dos batentes revelando um espaço vazio, com um chão abaulado e manchado, e coberto de detritos e pó. As únicas peças de mobília são um velho sofá bolorento e duas cadeiras de madeira. Em todas as ombreiras e algumas partes da casa foram gravados símbolos arcanos cujo significado os investigadores não reconhecem. A madeira chia e estala com o peso dos investigadores mas, por breves segundos, têm a sensação de ouvir algo mover-se por debaixo da casa. Certamente a casa, aliada à história de Merriweather, excita a imaginação dos investigadores.
E, no entanto, junto à lareira os investigadores encontram, junto de um cobertor esburacado, várias latas de comida enlatada, fósforos e velas. As cinzas da lareira ainda estão quentes e o pó do chão marcado com pegadas o que sugere a presença de alguém na casa. Talvez os sons que ouviram há pouco não sejam fruto da sua imaginação. Silenciosamente, acercam-se da divisão das traseiras, que parece ser uma antiga cozinha. Junto à porta das traseiras, há um alçapão no chão e é por aí que os investigadores decidem entrar para descobrir quem se esconde na casa. Usando a vela que encontraram na sala, Edward lidera o grupo às entranhas da casa. A cave é escura e silenciosa, ouvindo-se apenas o ranger ominoso da madeira. Pé ante pé, Edward desce até ao fundo quando uma criatura desgrenhada salta da escuridão e o empurra. Surpresos, os investigadores mal têm tempo de reagir. Um vagabundo grita de medo e corre escadas acima, abrindo caminho aos cotovelões. Apenas a reacção rápida dos investigadores lhes permite segurar o homem e acalmá-lo.
O vagabundo quer apenar partir com os seus pertences. Diz ter encontrado este local ontem à tarde e ter decidido aqui pernoitar. Foi então que, durante a noite, algo se moveu no sotão acompanhado de um intenso cheiro nauseabundo. Em pânico o vagabundo fugiu e esperou a luz do dia para ganhar coragem e regressar para vir buscar os seus parcos pertences. Os investigadores deixam o homem partir. Sobre a lareira está uma antiga caixa de metal no interior da qual foram enrolados papéis amarelecidos, um pequeno recipiente com um pó acastanhado e uma pequena caixa de madeira contendo uma substância prateada, semelhante a pó de talco. Os papéis descrevem o ritual necessário para banir a criatura, com a ajuda de um pentagrama e um cântico que deve terminar à meia noite. Os símbolos arcanos gravados na madeira impedirão a entrada da criatura em qualquer parte da casa, excepto no sotão. Os investigadores ainda discutem se devem ou não explorar o sotão mas decidem pela negativa.
O Ritual
A noite cai e os investigadores preparam o pentagrama no chão de acordo com as instruções. Nesse momento, um urro inumano ecoa pela casa, seguindo de fortes pancadas no tecto. Felizmente, os símbolos gravados na madeira protegem contra a entrada do ser inominável. Após um longo silvo, o urro parece sair da casa e perde-se à distância. Sem perder tempo, os investigadores iniciam o cântico. James fica encarregue do ritual enquanto os restantes vigiam as entradas.
Os minutos passam lentamente, no que parece ser uma eternidade. James mantém o tom, concentrado. Subitamente, ecoam fortes pancadas do sotão. A criatura voltou. Um momento de silêncio e algo parece cheirar nas frestas da madeira em cima. O som sugere algo tão gigantesco que os investigadores começam a temer o pior. A madeira do tecto começa a vergar, soltando pó. Um som que nenhuma boca humana poderia emitir profere palavras numa língua desconhecida, gritando e vociferando. Os investigadores sentem as suas forças abandoná-los, mas James mantém-se resoluto. É então que um líquido viscoso cai por entre as frestas da madeira do tecto, pingando sobre os investigadores. Susan sente uma forte dor no braço. O líquido queima-lhe a roupa e a pele. Os investigadores tentam proteger-se. Os urros e pancadas em cima são ensurdecedores. A criatura procura uma entrada mas as forças mágicas dos símbolos protegem a sala de qualquer intrusão. Os sons entram em crescendo até que cessam tão rapidamente como começaram.
Uma voz feminina grita por ajuda, vinda do exterior. Correndo para as janelas, Edward, Susan e Adriana vêm, na escuridão da noite, uma mulher de vestido rasgado, arrastando até à casa. Será uma vítima da criatura. O espanto dá lugar ao horror quando os investigadores se apercebem do enorme buraco no peito. Nenhuma criatura poderia viver com tamanho ferimento. Uma sensação de pânico toma conta de Adriana que abre a porta e foge para o carro. Edward segue atrás dela. Fora da casa, não são protegidos pelos símbolos mágicos. O corpo reanimado da mulher persegue os dois enquanto Susan se mantém à entrada da casa. James continua o seu ritual. A confusão é geral. A criatura do sotão, pressentindo os investigadores fora da casa, sai do sotão e persegue-os. É então que, Edward e Adriana, conseguem ver o inominável, o horror que há tantos anos atrás matou uma pessoa e levou outra à loucura, o ser que provavelmente reanimou este corpo e procura agora tirar a vida dos investigadores.
Uma massa negra de tentáculos e aberturas dentadas, move-se a uma velocidade assustadora, contorcendo-se, numa mantendo uma forma estável. Edward sabe que estão perdidos se ficarem cá fora. Agarrando Adriana por um braço, arrasta-a de novo para a casa antes que seja tarde demais. O cadáver da mulher tenta agarrar Edward mas o ex-militar defende-se, deitando-o por terra. Ao aproximarem-se de novo da casa, sentindo o cheiro fétido do ser nas suas costas, vêem um segundo cadáver surgir por detrás da casa, correndo pela frente para atacar Susan. Apanhada desprevenida, a rapariga tenta defender-se mas a visão de um corpo, com o pescoço num ângulo impossível e os ossos da coluna perfurando a pele do pescoço, é demais. Edward acerca-se deste cadáver e sem pensar duas vezes empurra-o com Susan para dentro da casa, fechando a porta atrás de Adriana. James, que até ao momento, estava concentrado, perde a calma perante a visão de um cadáver atacando os amigos. Quebra o ritmo do ritual e cai sobre o sofá, agarrado ao crucifico, rezando. Sem hesitar, Susan salta para o pentagrama continuando o cântico enquanto Marsh imobiliza o cadáver. O segundo cadáver bate com os punhos na porta mas não consegue entrar.
Ao chegar a meia noite, o ritual está practicamente concluído. Susan entoa o cântico e os restantes tentam acalmar-se e preparar-se para o final. Os urros da criatura ecoam mas parecem enfraquecidos. Algo começa a condensar-se no ar, sobre o pentagrama. Preparando-se para o pior, os investigadores sentem um bafo de ar fétido e a visão do ser, contorcendo-se, expandindo os seus tentáculos mas como que impedido por uma força invisível. Por fim, com as últimas palavras do ritual, a criatura solta um último grito, desvanece-se e o silêncio regressa à casa. Os cadáveres, antes animados, ficam intertes. Os investigadores, outrora incrédulos, sabem agora que existem horrores que a Humanidade desconhece. Em silêncio, deixam a quinta para trás e voltam para Arkham, com os seus telhados coloniais e as suas ruas antigas.